Tempo de Reacção Humano – como funciona?
Parte 1 – Ciclo OODA
Quando treinava artes marciais e sistemas de defesa-pessoal, sempre ouvi dizer que sabendo as técnicas (esse segredo dos deuses!) me podia defender disto e daquilo. Claro que isso me atraiu! Quem é que não gosta de se sentir invencível!
O problema é que pensar assim é uma fantasia. E, para sair da fantasia, é preciso perceber e assimilar a ciência / realidade.
O Tempo de reacção humano é um processo psico-fisiológico bastante complexo e que envolve mais do que se pensa.
Coloco em análise uma pergunta muito frequente e que tem a ver com o tempo de reacção:
“Quão provável é alguém defender-se de um ataque que já iniciou?“
Estamos aqui perante a pergunta nuclear das escolas de Defesa-pessoal e de Artes Marciais em geral que usam o confronto físico como oficina de trabalho e que, infelizmente, anunciam como campo de batalha o contexto civil (a “rua”).
Como a “rua” é um local onde uma possível luta não tem nada conhecido à partida, faz sentido dissecar e pensar sobre o tão apregoado lado de quem se defende e se superioriza nesse campo. Não por interesse ou teimosia minha, mas apenas porque essa praga de ignorância inundou e continua a inundar a cabeça de muitos praticantes e instrutores bem-intencionados e a dificultar o seu entendimento sobre o que são os princípios das verdadeiras dinâmicas de combate.
Mas voltemos à pergunta: há uma inclinação natural para responder imediatamente que – “Sim, é possível!”. Mas a pergunta, fala de probabilidade, não de possibilidade. Possível, é tudo. Só no momento em que algo é posto em teste é que se consegue perceber o grau de probabilidade – chama-se a isso, na linguagem empresarial, “controlo de qualidade”.
Aliás, chego mesmo a pensar que estamos perante a pergunta que desencadeou toda a indústria da defesa-pessoal. Penso que muitas das respostas a essa pergunta, dadas até hoje, vão no sentido errado: ou por análise incompleta (ignorância) ou por criação intencional (fraude).
Criaram-se, em resposta a essa pergunta, diversas abordagens, (pseudo) «sistemas», estilos e currículos intermináveis – uns mais mirabolantes que outros, uns mais absurdos que outros. Formaram-se mesmo instrutores, associações, federações e treinadores em torno disso.
Tomada de decisão e Tempo de Reacção humano
Para dar resposta a esta pergunta, precisamos de:
- Por um lado, perceber qual a capacidade/tempo de reacção do defensor.
- Por outro, perceber que o Tempo de reacção é afectado pela intenção e tipo de ataque do agressor [1].
Recorro aqui a vários descobrimentos e experiências válidas no campo da ciência, psicologia e aplicação militar.
Ciclo OODA
Começo, nesta Parte 1, pelo Ciclo de decisão ou Ciclo OODA, desenvolvido pelo estratega militar, Coronel da Força Aérea dos EUA, John Boyd. Esse ciclo, conhecido como “OODA loop”, descreve o tempo e mecanismo de reacção/decisão humana e é uma ferramenta excelente para perceber como um individuo ou um grupo reage a mudanças e estímulos inesperados. Boyd, desenvolveu inicialmente este ciclo para o combate de aviões caças [2], mas logo se percebeu que a sua aplicação se estende a sujeitos e a sistemas / organizações / grupos.
O ciclo OODA refere-se à forma como o cérebro humano trabalha para elaborar uma acção, em resposta a um estímulo. É um ciclo que se repete uma e outra vez, sempre que as condições externas mudam. Contém, em resumo, o seguinte – sigla O.O.D.A.:
- Observação – A recolha de informação (e.: estímulos), através dos sentidos.
- Orientação – É o que se costuma chamar de “leitura da situação”. A análise e síntese da informação recolhida (da Observação) – é a criação de uma perspectiva / imagem / diagrama mental.
- Decisão – A elaboração de um determinado plano de acção, baseado na perspectiva mental realizada previamente (a Orientação).
- Acção – A execução física da Decisão tomada.
Podemos retirar muito deste conhecimento para perceber como acontece a dinâmica de combate[3] e, portanto, vou explicá-lo o mais claro e resumidamente possível. O interessante esquema de Boyd é o seguinte (fig. 1) [4]:
Sabemos que o tempo de reacção (todo o ciclo), desde a Observação do estímulo até à resposta – a Acção – pode ser de tempo variável. Depende sempre do tempo passado em cada uma das fases. Esse tempo não é linear, nem pode ser padronizado para todas as pessoas; depende de cada sujeito e da sua interacção com o ambiente.
A fase mais decisiva dessa interacção é a Orientação. É na Orientação que o processo de tomada de acção é mais delicado e onde pode bloquear, atrasar ou acelerar.
Depois de Observar é absolutamente necessário Orientar. Ou seja, depois de Observar (recolher informação com os sentidos), o cérebro vai Orientar essa informação dando-lhe um nome e uma imagem (uma imagem mental).
Para fazer isso, o cérebro usa uma «base de dados» (chamemos assim, em sentido figurado) para dar nome ao que Observa. Essa «base de dados» (usada na Orientação) inclui o conhecimento do sujeito (aquilo que aprendeu) sobre o estímulo, as suas tendências culturais (valores, princípios, consequências), as suas características genéticas (o seu biótipo e aparelho instintivo) e o tipo de experiências que acumulou com aquele estímulo em concreto; este conjunto influenciará quer a forma, quer a rapidez como o estímulo é orientado e, depois, eventualmente respondido.
De forma simples, o que nos interessa para um confronto é:
- Se não houver Observação é impossível haver Acção; é impossível haver ciclo OODA – ou seja, não há Tempo de reacção. A Observação é a base de toda a reacção.
- Se a Orientação for lenta, a Decisão e a Acção são lentas também – ou seja, o Tempo de reacção é muito prolongado.
- Se a Orientação for errada, a Decisão e Acção serão erradas também, mesmo que sejam rápidas [5].
Que factores tornam a Orientação lenta?
- O “efeito surpresa”: Estímulos ambíguos, confusos, repetitivos ou incompletos.
- Ignorância/mau conhecimento sobre o estímulo.
- Bloqueio emocional ou de adrenalina – que interfere bastante com a Orientação, mesmo sendo o estímulo claro e conhecido.
- Tendências culturais, de carácter e genéticas que interferem com a leitura da situação.
Que factores tornam a Orientação errada?
- Pensar que se sabe – ter informações erradas, aprender algo de forma errada e “não saber o que se não sabe”.
- Ser enganado – o exemplo da “finta”, “dissimulação”, “posicionamento”, “ilusão” e “preparação” num combate, em que se engana o oponente para encontrar uma abertura (baralhando o seu OODA Loop).
Voltando à pergunta:
“Quão provável é alguém defender-se de um ataque que já iniciou? “
De acordo com o que aprendi sobre o ciclo OODA, a resposta é:
A probabilidade de um Tempo de reacção útil é tanto menor quanto maiores e mais inesperadas forem as variáveis presentes na situação.
O facto de não se saber previamente “Quando?”, “Onde?”, “Como?” e “Quem?” torna o tempo de reacção mais lento, inútil ou mesmo inexistente.
Se o agressor, (em contexto civil), já começou o seu ataque (que não é previamente anunciado), a vítima/defensor terá muito poucas, senão nenhumas hipóteses, em conseguir decidir correctamente o que fazer em tempo útil. O agressor está à frente no ciclo OODA e dentro do ciclo OODA do defensor / vítima.
Além disso, percebendo o ciclo OODA, reforçamos a ideia que a abordagem de poder lidar com sucesso com um oponente agressivo em combate, só pode ser treinada e sistematizada de forma realista se houver uma capacidade de controlar, conhecer e adaptar-se rapidamente a um determinado contexto (e às suas Regras / Leis). Para ter sucesso, de preferência em vantagem no OODA loop do oponente.
Ora, para lutar em vantagem e contornar o problema do Tempo de reacção, o mais óbvio é substituí-lo por ACÇÃO. “Acção” é ter iniciativa e dominar a situação; “Reacção” é estar na contra-iniciativa, em segundo no tempo.
Chamo aqui atenção para o tipo de treino – conhecimento – que, obviamente condiciona (no sentido positivo ou negativo) a escolha adequada da opção a tomar. Como isso pode ser desastroso para uma pessoa que treina o “Tempo de reacção” num ambiente em que, (1) o seu OODA não é posto à prova, (2) a Observação e Orientação são dadas à partida e em que (3) pensa (erradamente) poder «defender-se».
***
Vejamos na Parte 2 outra evidência científica em relação ao tempo de reacção; evidência que elucida ainda mais a pergunta em causa.
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Sobre o autor: Pedro Silva | Treinador principal na Academia Skills – Porto | Psicólogo clínico / Psicoterapeuta / Formador
[1] Factor que afecta bastante o tempo de reacção, como veremos em seguida.
[2] Aconselho a ler a história por detrás do OODA loop, bem como a biografia e documentos de John Boyd, um génio militar do seu tempo.
[3] E o Ciclo OODA aplica-se a qualquer tipo de combate – seja individual, em grupo, simétrico ou assimétrico.
[4] Boyd, John R. (1996): ”The Essence of Winning and Losing”.
[5] São os típicos casos de: “fazer rápido e mal” e de “dar a resposta errada”.