Como fazer do Treino uma arma para enfrentar o dia-a-dia

                Este artigo tem por alvos os praticantes, os treinadores e os que esperam para começar a treinar.

                Como Treinador e praticante na área dos desportos e tradições de combate (o que chamo genericamente de Artes de Combate) creio que é importante ajudar o atleta a ser melhor pessoa em toda a sua dimensão (bio-psico-social). Creio que isso não é sair do papel de Treinador, mas sim obrigação do Treinador.

É uma missão que me ocupa o pensamento há muito tempo: como utilizar o conhecimento das artes de combate, no treino, fazendo mais do que apenas passar conteúdos e deixando que a pessoa continue a ser pessoa.

Como não há um curso sobre isso, cedo percebi que tinha de reunir experiência, formações, discussões, análises e estudo de várias áreas. Este artigo e os artigos futuros, falarão destes temas mais humanos e subjectivos, mas também da conceptualização e sistematização na área das artes de combate e do treino físico associado.

Os benefícios da actividade física, por oposição ao sedentarismo, são bem conhecidos por todos e, felizmente, um dos conselhos mais fornecidos por quem fala de saúde.

                Mas, mesmo assim, cada actividade física traz benefícios diferentes e, mais do que isso, atrai pessoas diferentes.

                É muito provável que muitos de vós, que leem este artigo e têm interesse em treinar (mesmo sem saber o quê em concreto), tenham vários e diferentes objectivos. Há pessoas que, (como no caso de exercício-físico geral), treinam sozinhas; outras que treinam, (como no caso de artes especializadas), com treinadores e em grupo. Qual é melhor? Não se trata disso, mas sim do que se procura. Sabe-se que quem treina algo especializado e em grupo tem mais longevidade na prática – porque tem mais motivação e maiores desafios.

Para treinar, os objectivos mais gerais são a manutenção física, seguido de perda de peso e as normais preocupações estéticas. Para outros, que procuram uma actividade de luta (desculpem lá, mas é a minha área), há também o objectivo de aprender uma certa arte de combate: uns querem maior auto-segurança, outros a adrenalina de poder “jogar à luta”, evoluindo e melhorando; eventualmente competir nos amadores ou seguir uma carreira profissional; outros, simplesmente, gostam daquela actividade…

                No universo do treino orientado para o combate, conseguem-se ao mesmo tempo os objectivos de (1) maior capacidade física, (2) maiores ganhos psico-sociais e, claro, (3) maiores habilidades de luta. Isto não é conseguido em mais nenhum programa de treino, porque o leque de emoções que se vive no contexto do treino de artes de combate é mais amplo e especial.

                Porém, calma! Se pensa que a transferência das características positivas dos treinos de disciplinas de combate, (sejam elas de competição ou não), para o quotidiano de cada praticante se faz de forma directa, está enganado/a.

Ou seja, não é por simplesmente praticar uma modalidade de combate que se ganham todos os 3 benefícios mencionados. Atenção!

Isso só é conseguido numa combinação positiva de Treinador / Atleta / Modalidade.

  • O Treinador tem de ter uma sensibilidade que vai para lá do simples “saber ensinar”. O Treinador tem de “saber fazer”, “saber ensinar como se faz” e “saber formar indivíduos”. Tem de ter uma sensibilidade especial.
  • O Atleta, para se motivar tem de ter a curiosidade de aprender, de querer saber mais – é isso que o faz continuar e não ter mais nenhuma hipótese a não ser evoluir. E depois, precisa de sentir que utiliza o que lhe é ensinado – é a aplicar que ele dá valor ao que treina, interrogando-se e querendo mais!
  • A Modalidade tem de estar num contexto realista e conter doses equilibradas de objectividade, de simplicidade e de desafio. Tem de ter em si mesma uma espécie de mecanismo de auto-regulação: tem de ter um conjunto de elementos em sinergia (definição de sistema) e proporcionar aos seus praticantes a chance de validar-se a si mesma (ao mesmo tempo que eles se validam). E… tem de ter agentes de ensino bem formados.

Se cada uma destas partes fizer o seu trabalho, saem todas a ganhar.

Mas…

E então que ganhos traz o atleta/praticante para o seu quotidiano?

De forma natural e à sua velocidade, o atleta conseguirá fazer a ponte entre as ferramentas do treino e o seu trabalho, as suas relações inter-pessoais e os seus valores.

Mais em concreto, que ferramentas?

Como treinador acredito que aprender e treinar exigem uma coisa fundamental – Auto-disciplina. Sejamos realistas, a Auto-disciplina é uma coisa simples de entender, mas difícil de praticar. Contudo, é uma ferramenta poderosíssima e abrangente.

Reunindo vários autores (nomeadamente da filosofia e da psicologia) e aprendendo com a experiência, achei a uma certa altura da minha carreira que seria útil um quadro com os passos necessários para construir Auto-disciplina – quadro que tenho na minha sala, que uso com os meus atletas e que não me importo de partilhar:

  1. Ter um objectivo
  2. Fazer o que é necessário – trabalho duro
  3. Ser consistente – “colocar minutos” de forma constante no tempo
  4. Sair, voluntariamente, do conforto
  5. Entender que só é problema aquilo que se pode controlar
  6. Nunca, mas nunca, ser a vítima
  7. Ter paciência na gratificação
  8. Ignorar os negativistas
  9. Encontrar pessoas/modelos
  10. Rever, honestamente, o dia-a-dia

O mais impressionante para mim nestas 10 atitudes é que elas se encontram em cada uma das sessões de treino. Eu sempre as encontro nos atletas e sempre as tento implementar quando vejo que foram ignoradas. Pelo treino são descobertas e pelo treino são alimentadas. É com isto que fazemos as pessoas ficar mais fortes, sem deixarem de ser normais.

Claro que… os níveis de sensibilidade de Treinador e de Atleta criarão maior ou menor facilidade no alcance destas metas – isso não se ensina, aprende-se dia-a-dia.

Treinem de forma inteligente e segura.

Um abraço.

P.S.: se gostou, partilhe e dê apoio.

Sobre o autor:
Pedro Silva | Treinador principal na Academia Skills – Porto | Psicólogo clínico / Psicoterapeuta / Formador.
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